quarta-feira, 20 de dezembro de 2017

Episódio VIII, Awen/Força


(quem ainda não assistiu o Episódio VIII que vá embora, SPOILERS adiante!)
Chegamos a um ponto crucial da saga: em todo Episódio de Desenvolvimento (II, V, VIII) se descobre que as coisas não são o que pareciam ser nos episódios anteriores, a trama se torna complexa e densa, e é justamente nesta etapa de cada Trilogia SW que essa coisa misteriosa que é a Força é um pouco mais explicada, porque é justamente quando o Herói avança em seu treinamento e depara com as complexidades do mesmo.
Mas este episódio em particular merece uma observação com olhos-de-Druida, a começar porque a ilha-refúgio de Luke Skywalker é a muito sagrada Skellig Michael, no litoral da Irlanda: no mar há uma ilha, na ilha uma montanha, na montanha uma árvore, e dentro dela os livros sagrados dos Jedi: uma imagem do Centro Sagrado, onde tudo começa e termina, a fonte da Sabedoria primordial - e como em todo centro, a luz e as trevas habitam lado a lado, o que sempre pega desprevenido o discípulo ingênuo que pensa que o Sagrado é apenas luz e graça e gostaria de negar em si a Sombra.
Não se chega no Centro por acaso: a pergunta é feita, "por que você veio aqui?", e deve ser respondida do fundo do ser, independentemente do que o buscador ache que é o seu dever ou do que é "correto".
O Centro "é", imutável, mesmo que o Mestre ali presente não o seja: Yoda em Dagobah estava centrado e em equilíbrio, enquanto Luke buscou a ilha como uma ermida onde se esconder de seu fracasso em fazer a Ordem Jedi renascer, o que o torna um instrutor mais que relutante em aceitar Rey como discípula, e só a determinação férrea dela consegue arrancar dele o ensinamento.
E que ensinamento! Pela primeira vez na série temos um vislumbre da Força que não é visto de fora, mas sim de dentro: os elementos da Natureza percebidos como opostos e complementares, e o Equilíbrio entre eles que une o todo e dá forma ao Universo manifesto.
E como já vimos em episódios anteriores, o primeiro contato com o lado sombrio da Força vem com a revelação de verdades cruciais mas dolorosas sobre si mesmo, como todo contato com a Sombra digno do nome proporciona - claro, o Herói recusa esta primeira revelação, para mais tarde tê-la atirada à cara pelo Adversário, a forma encarnada do lado sombrio, e essa ferida deixa cicatrizes externas e internas que, apesar das aparências, serão fonte de força e não de fraqueza se forem corretamente compreendidas e integradas.
Mas nos adiantamos, e antes disso temos aquela cena arrepiantemente druídica onde um Luke amargurado decide destruir os livros sagrados dos Jedi, mas desiste no último instante...apenas para ver Yoda, seu antigo mestre, agora unificado com a Força, completar o que ele começou com um relâmpago que fulmina árvore & livros; ele exclama para Yoda, rindo como um louco taoísta (no qual sua imagem foi inspirada) "mas esses eram os livros sagrados!"
"Lê-los, você o fez?"
"...bem, eu..."
"Tediosos eles eram, sim"
"Mas porque -"
"Nos livros nada havia que naquela garota não existisse já" - isso é um ensinamento crucial do Druidismo e de outras espiritualidades: mesmo que os textos, templos e mestres fossem completamente erradicados da face da Terra, o contato direto com a Inspiração sempre viva permitiria reconstruir até a última vírgula dos ensinamentos, e portanto não é com as relíquias, mas com as pessoas, que podem se tornar os receptáculos vivos destes, que devemos nos preocupar.
Mais importante que a miraculosa aparição de Luke para confrontar a Primeira Ordem, mais sublime que sua unificação com a Força sob o mesmo pôr-do-sol com o qual sua jornada começou, é ver que a esperança que ele trouxe à Resistência, e esta traz à galáxia, é, bem druidicamente, uma semente que brota sempre que o terreno é propício, que ao semeador cabe apenas espalhar e confiar com esperança, e que se o terreno for inóspito a semente simplesmente dormirá para germinar num tempo mais favorável; onde antes a Força era um privilégio de poucos iniciados, um novo tempo se apresenta no qual ela brota nos locais e pessoas mais diversas, anunciando uma Primavera do espírito que, com a bênção dos Deuses, você e eu iremos testemunhar muito em breve.
Que a Força esteja com todos nós.
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segunda-feira, 18 de dezembro de 2017

Lago, Salmão, Árvore


Partindo do princípio de que os Druidas originais guardaram sua sabedoria codificada nos mitos que a nós chegaram, e tentando lê-los com olhos-de-Druida, cheguei a algumas idéias que quero partilhar aqui.
Todo druidista moderno que se preza conhece a história de Ceridwen e Gwion, de como ele veio a provar a poção de sabedoria que ela destinava a seu filho e se tornou o bardo supremo Taliesin; quando passamos de Gales à Irlanda, vemos na história de Finneces e Fionn um padrão similar, o salmão da sabedoria cobiçado pelo primeiro concedendo seus dons ao segundo, e ficamos de orelha em pé pela virtual identidade de ambas as histórias...e então topamos com a lenda do gigante Einigen, que teve a revelação do Awen mas só conseguiu transmiti-la depois de morto a Menw, que fundou o bardismo galês, e aí vemos que duas versões podem ser mera coincidência, mas três são conspiração deliberada para passar adiante uma mensagem, mas qual?
Nas três histórias, a sabedoria originalmente destinada a um vai ter com outro, e só depois de "um ano e um dia", o prazo tradicional das lendas, e que eu me arriscaria a traduzir como "no devido tempo", é que ela se torna acessível; talvez isso seja uma advertência para não ter pressa de passar adiante uma inspiração recebida, ou fazê-lo sem expectativa de que ela venha a ser compreendida no ato da transmissão, porque "há um tempo para cada coisa".
Outro ponto notável é que nas três histórias a sabedoria é um conteúdo distinto do veículo que a contém, o qual, sem ela, é inútil ou até mesmo nocivo; a poção de Ceridwen envenena o riacho, o salmão torna-se inútil, os postes de sorveira são adorados sem atenção ao que neles foi inscrito, e o "tempo devido" é necessário para destilar e separar a essência da sabedoria, descartando a parte não essencial.
Mas o que me levou mais tempo e meditação para ver é o seguinte: nas três histórias, há um personagem A, que detém a sabedoria e quer transmiti-la (Ceridwen, Einigen, o vidente que falou a Finneces), um personagem B que é (ou seria) o pretendido herdeiro dessa sabedoria (Avagddu, Finneces, o povo de Einigen), e o personagem C, o inesperado (e aparentemente acidental) receptor da mesma (Gwion, Fionn, Menw); quem leu neste blog a série de postagens sobre as Três Almas vai reconhecer A como representando a Alma Celeste, B a Alma Oceânica e C a Alma Telúrica, e notar que, como já vimos, é a Alma Telúrica que está sempre pronta a receber mensagens da Alma Celeste, enquanto a Alma Oceânica está absorta no seu incessante fluxo de pensamentos e deixa passar a oportunidade.
E as três histórias, uma ao lado da outra, apresentam cada uma um símbolo central (caldeirão, salmão, árvores) que, juntos, remetem à fonte de toda a Inspiração, o mítico poço de Segais: um lago (caldeirão) cercado de aveleiras (árvores) onde vive o Salmão da Sabedoria, as avelãs alimentando o Salmão, cuja presença consagra as águas, que fluem em cinco riachos, os cinco sentidos e a Mente onde eles tem seu substrato, e "sábio é aquele que bebe tanto dos riachos quanto da nascente"
E se avançarmos um pouco mais, e aplicarmos o Ogham a este símbolo composto, o que encontramos?

Salmão - EA ("madeira flutuante", uma metáfora poética)
Água - S (além do salgueiro, este fid se refere ao meio líquido)
Aveleiras - C (uma referência direta)

EASC, a palavra formada, tem similaridade fonética com as palavras irlandesas referentes a água, peixe/salmão e, vejam só, à Lua; referência a um estado contemplativo, diferente do pensamento mais analítico de tipo solar, mas também uma imagem: o que acontece se, ao contemplarmos a Lua cheia, a percebermos como um lago de água prateada, um grande caldeirão de prata, um ovo de salmão, uma avelã descascada, o crânio de um gigante ancestral?
Vejam, o que estou propondo com toda essa elucubração é mais que mero malabarismo de idéias, é um possível método para extrair os ensinamentos ocultos nos contos antigos, começando com uma comparação de imagens e temas, a análise destes conteúdos inicialmente revelados, e o uso controlado da imaginação para "mexer o caldeirão" e destilar todo este processo em imagens, sons/palavras e cenas completas, e deixar as gotas que resultarem desta mistura refinada agirem sobre a alma em contemplação. Obviamente não temos como saber se os Druidas que nos passaram os contos usavam esse método com seus alunos, e nem mesmo se os resultados deste trabalho analítico-intuitivo são válidos como ensinamento espiritual, mas quero trabalhar com isso um pouco e convido todos os que me acompanharam neste texto meio confuso a tentarem também: desde que 2018 começa com uma Lua cheia, vamos mergulhar nesse caldeirão?