domingo, 16 de novembro de 2014

Endovélico, Semana 19: Qualidades

O perfil de Endovélico traçado ao longo destas semanas apresenta a liminaridade como traço principal: entre Vida e Morte, Saúde e Doença, Sonho e Vigília, oscilando entre gêneros e espécies e pareando com as divindades mais diversas possíveis, ele não se limita a uma única imagem, mas está sempre em fluxo.
Sendo assim, penso que não será estranho para ninguém que eu declare que a mesma qualidade que admiro é a mesma que considero a mais difícil de todas...
A imagem acima é o símbolo perfeito desta situação ambivalente: essa erva de folhas longas e flores roxas, se aplicada externamente, é um cicatrizante poderoso que fecha cortes e feridas em dias e cura todo tipo de erupções e problemas dermatológicos, mas se for ingerida é extremamente hepatotóxica e pode até matar por hepatite medicamentosa fulminante -- o confrei, poderoso para curar e/ou matar de acordo com o conhecimento e prudência de quem o prepara.
Esse é só o exemplo mais ilustrativo da questão que discutimos agora: Endovélico vem me ensinando, ao longo destes anos, que a doutrina de Paracelso da identidade essencial entre remédios e venenos, dependendo do contexto/dose, na verdade se estende também a métodos não-farmacológicos como as técnicas psicoterápicas, assim como a abordagens mágico-rituais, e essencialmente a toda coisa ou ação humana -- coisas aparentemente inofensivas do dia-a-dia podem causar danos a médio/longo prazo, assim como outras coisas que o consenso chama de perigosas tem potenciais curativos se aplicadas no local e na hora certa.
Percebem o que digo? Estamos, todos nós, vivendo num mundo de maravilhas ocultas e terrores escondidos a cada passo que damos, e na imensa maioria das vezes invocamos seus efeitos sobre nós sem saber o que fazemos e quais conseqüências virão disso, e cumulativamente nos tornamos, nós mesmos, terapêuticos e venenosos para o mundo à nossa volta!
E o único fator que permite curar com o veneno é a discriminação consciente, o avaliar a cada ação como exercê-la do modo adequado à situação, local e pessoa envolvida, sabendo que o que funciona em outros contextos nem sempre se aplica àquela situação específica, e que muitas vezes é preciso deixar o veneno agir por um tempo até que seja transmutado em medicina, e que essa responsabilidade é pesada demais para ser carregada impunemente -- mesmo esse fardo me intoxica agora para sanar depois, pois é o preço pelo conhecimento e o dom da cura verdadeira, que nunca exerço sozinho, porque Endovélico me acompanha a toda parte.


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