domingo, 27 de novembro de 2011

Ritual

"Ritual é poesia no mundo das ações"

Essa frase de Ross Nichols descreve bem a natureza do ritual: na poesia, palavras são arranjadas de um modo específico com o objetivo de evocar uma resposta emocional específica no público; no ritual, as ações e o simbolismo nelas expresso tomam o lugar das palavras, e o público aí abrange os participantes visíveis e invisíveis do mesmo.
Outra definição é que o ritual é o mito tornado visível -- há um mito detrás de cada rito, há um rito implícito no relato de cada mito -- e se, como já foi dito, um mito se passa fora-do-tempo, o rito o torna manifesto no aqui-e-agora para que nós, que existimos no tempo, tenhamos acesso a ele.
Sendo o ritual poesia, e portanto linguagem (na qual nós falamos ao Sagrado e o Sagrado fala a nós), é necessário aprender o seu "vocabulário" primeiro: mitos, histórias, arqueologia, fantasia, fornecem as imagens e conceitos que serão articulados na forma de atos durante o rito.
Por exemplo, no meu rito matinal, no altar da cozinha, eu começo derramando água no cálice, e isso evoca as Águas primordiais fluindo do abismo universal para iniciar a Criação; acendo a vela, e isso é a descida do Fogo Celeste que é a centelha de Vida; toco a coluna da parede, e estabeleço a Árvore do Mundo como o Eixo em volta do qual o Mundo se organiza; volto-me às Direções (leste, oeste, norte, sul, acima, abaixo, centro) e defino os limites universais; invoco os Deuses, Ancestrais e Espíritos, que povoam e ordenam o Cosmos recém-criado; agradeço e encerro -- e aí posso usar a Água para abençoar a água do chá, que então aqueço no fogão que foi aceso a partir do Fogo, e à qual acrescento as ervas consagradas pela Árvore, e assim os 3 Reinos estão unidos na minha xícara: ou seja, a cada manhã eu recrio o Mundo de novo, e por este ato abençôo o meu desjejum e o dia que se inicia (e antes que alguém pergunte, esse rito não demora mais que um minuto completo -- não são necessárias horas de incessante recitaçâo de versos em alguma das línguas Celtas!)
Claro, um ritual como este pressupôe um altar doméstico, tempo, privacidade e silêncio para ser executado como o descrito: e se um desses fatores, ou todos, faltarem, isso significa que não é possível fazer rituais?
Pensem naquela meditação do sangue e dos 3 Reinos...agora, imaginem que ela seja aplicada à xícara de chá (ou café) que vocês recebem de manhã em casa ou tomam na padaria da esquina ou ao chegar no trabalho, com as visualizações correspondentes e recitada mentalmente em alguns segundos: feita com a intenção correta, essa cerimônia é tão eficaz quanto a outra (e conta com a vantagem de poder ser feita diante de outras pessoas sem atrair atenções indesejadas!)
Diversidade, aí, continua sendo a palavra-chave: cada um de nós vive em condições de vida diferentes, e a solução que serve para uns não vai ajudar aos outros, assim sendo cabe ao indivíduo observar seu ambiente e rotina de vida e ver o que pode ser modificado para facilitar a prática e o que não vai mudar e exige que o indivíduo se adapte à situação do melhor modo possível, sabendo que de qualquer modo Deuses, Ancestrais e Espíritos dão valor maior à boa vontade de quem tenta se aproximar Deles como puder.

Bendito o Rito, forma visível do Mito
Bendito o Sagrado presente em cada Rito
Bendita a linguagem na qual o Sagrado
se expressa diante de nós

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